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Sai sempre ganhando quem sabe respeitar, dialogar e perdoar
Em todo relacionamento – em maior ou menor frequência e intensidade – haverá conflitos. E uma vez passada a fase da paixão, há três verbos que merecem ser conjugados: respeitar, dialogar e perdoar. O outro inevitavelmente tem escala de valores própria, nem sempre coincidente com aquela do companheiro e, tanto quanto seu DNA, carrega consigo uma história, experiências, traumas, aspirações e laços familiares que muito moldam suas expectativas. Neste mister, “sai sempre ganhando quem sabe amar e perdoar; não quem tudo sabe e tudo julga” – se faz oportuno Hermann Hesse, escritor alemão.
Quem tudo sabe ou tudo julga transfigura o companheiro num oponente. E, em qualquer relação, as discordâncias são salutares – até mesmo momentos de raiva, próprios da natureza humana, desde que não degenerem o relacionamento em mágoas e que prevaleçam o diálogo, o companheirismo e a força dos bons argumentos. Ou, nas palavras do apóstolo Paulo, “não se ponha o sol sobre a vossa ira”.
E aqui proponho uma reflexão baseada na bela analogia de Rubem Alves: os jogos de tênis e frescobol se assemelham antes da partida: duas pessoas, duas raquetes e uma bola. No entanto, o tênis é uma competição cujo objetivo é vencer, gerando ao fim sentimentos opostos nos dois jogadores: um de alegria, outro de tristeza. Em contraste, no frescobol jogo bom é quando nenhum dos dois perde. Se a bola chega enviesada, o outro sabe que não foi de propósito e se requebra para devolvê-la suave, e assim o jogo continua prazeroso para ambos. E quem erra pede desculpas, lançando as bases para um novo recomeço.
No frescobol há empatia, palavra que provém do grego en (dentro) e pathos (sentimento), ou seja, estar dentro do sentimento do outro. Colocar-se no lugar do outro traz um olhar diferente, e essa é a melhor forma de compreender sentimentos e anseios. Num relacionamento, é a partir da coabitação que o jogo começa a ser jogado em sua plenitude, com o compartilhamento dos bens, decisões, deveres, gastos e mormente na educação dos filhos. E seguramente advêm as crises. Quando as crises se alternam, cabe ao outro a tolerância – esforço maior para ajeitar a bola e devolvê-la suave, seguindo em nossa metáfora. Entretanto, quando ambos entram em crise, cuidado! É jogo brabo, é jogo de tênis.
A conquista da felicidade em um relacionamento tornou-se uma obsessão – até por injunção do Facebook, só casais sorridentes, num love só. Parafraseando Tolstói, aqui se aplica o “princípio de Ana Karenina”: na bonança todos se parecem, mas no infortúnio cada um consegue ser infeliz à sua maneira.
A aceitação de que a vida a dois é feita de fases de alegria, mas também de tristeza, torna a convivência mais amena, pois querer escapar da dor é querer fugir da própria condição humana. Fortes são as exigências da vida moderna, e as mídias sociais promovem uma nova dinâmica nas relações – para o bem e para o mal. A vida hodierna é mais complexa e produtiva, mas tem mais armadilhas para os afetos e muito se perde das intimidades e do bom lazer.
Ademais, vale lembrar: o maior destruidor de afetos se chama indiferença. Há um número maior de separações pelo não dito do que pelo dito. Evidentemente há, todavia, casamentos duradouros ainda que infelizes, e só perduram por conveniência. Em tom de blague, Chico Anysio se insurge com a sua experiência: “Quem foi casado por 50 anos com Maria entende de Maria. De casamento entendo eu, que tive cinco”.
Entretanto, os relacionamentos felizes e duradouros têm por fulcro três palavras: companheirismo, respeito e diálogo. Nesse mister, para o filósofo alemão Nietzsche, o diálogo é tão importante que por si só encampa outras virtudes. “Num relacionamento, cada um deve se perguntar: ‘sou capaz de dialogar prazerosamente com essa pessoa até a velhice?’ Tudo o mais é transitório, pois as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar”.
Jacir J. Venturi, professor e autor de três livros, foi diretor de escolas, presidente do Sinepe/PR e vice-presidente da ACP.