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TRÊS FÁBULAS EM UM MUNDO GLOBALIZADO
A fábula, como gênero literário, sempre mereceu o devido apreço em todos os tempos e de todos os povos.
Para Jean de La Fontaine (1621-1695), a fábula comporta duas partes: o corpo e a alma, ou seja, a narrativa e a moralidade.
Uma miríade de escritores se ocupou em criar ou reescrever fábulas. No entanto, a maioria delas provém da sabedoria popular, na qual muito se cria, mas também muito se copia. Fruto dessa inventividade, a essência das três fábulas abaixo nos foi repassada oralmente.
O Gato que Late
As fábulas do gato e do rato sempre foram famosas no imaginário popular: um dia é da caça, outro é do caçador. Certo dia, ao querer respirar os ares do mundo, o rato saiu do esconderijo. Após um tempo de silêncio absoluto, ouviu um latido e pensou: “Se há cachorro, é porque o gato anda longe...”. Qual o quê! Mal olhou para o lado e só ouviu um miado valente do gato, que o abocanhou de um só golpe. Ainda assim, o rato conseguiu perguntar:
— Desde quando você é bicho que late?
Moral da história: Nestes tempos de globalização, quem não fala duas línguas morre de fome.
O Pardal Inconformista
Era uma vez um pardal inconformista que, durante o inverno decidiu não voar para o Sul. Contudo, a temperatura ficou tão fria que ele relutantemente empreendeu o voo migratório. Em pouco tempo, o gelo começou a se formar em suas asas, e ele caiu num curral, quase congelado.
Uma vaca passou e defecou no pardalzinho. Pensou que fosse o fim. Mas as fezes o aqueceram e descongelaram suas asas. Restabelecido e feliz, capaz de respirar, começou a cantar. Um gavião escutou o gorjeio, atento ao movimento das fezes, vislumbrou o pardal e prontamente o comeu.
Moral da história:
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Todo aquele que defeca em você não é necessariamente seu inimigo.
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Todo aquele que tira você das fezes não é necessariamente seu amigo.
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Quem está na bosta não pia.
O Rato Planejador
Dois ratos passeavam despreocupadamente. O primeiro rato vangloriava-se do seu doutorado em Planejamento Estratégico nos EUA. Fazendo tocaia, um gato saltou e pôs a pata em cima do segundo rato. Este, aterrorizado, suplicou ao rato planejador:
— O que você faz aí, parado? Ajude-me!
— Estou planejando!
— Planejando o quê? Socorro!
— Já sei: vire um pit bull!
— Mas como?
— Bem ... Eu planejo, você tem que executar!
Moral da história:
Entre planejar e executar há no meio um mar. As três fábulas são pertinentes a relacionamentos humanos: a primeira premia a dissimulação; a segunda pune severamente o inconformismo; e a terceira, dá muita ênfase ao planejador e pouca ao “fazedor”.
Destarte, o referido fabulista francês se fez apropriado quando afirmou, em tom jocoso, que, “em vez de humanizar os animais, procurava ressaltar os aspectos animais da natureza humana”.
Jacir J. Venturi Diretor de escola, professor da UFPR por 25 anos e da PUCPR por 11 anos. Cidadão Honorário de Curitiba. Autor dos livros Álgebra Vetorial e Geometria Analítica e Cônicas e Quádricas.