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É PRECISO REDUZIR O PROGRAMA DO ENEM

Nenhum educador sério pretende fazer com que o aluno do Ensino Médio estude menos e sim, que empregue honestamente o seu tempo, preparando-se bem para as elevadas exigências futuras: raciocínio lógico, boa escrita, boa oralidade, cultura, cidadania, valores, respeito ao meio ambiente, aptidão às tecnologias, etc.

Em qualquer ranking comparativo com outros países, sempre pontuamos entre os últimos no quesito desempenho escolar. Para reverter o negro desse quadro, o primeiro passo – e único que não exige dispêndios financeiros – é reduzir o conteúdo da atual grade curricular do Ensino Médio.

A proposta do MEC – com a denominada matriz de referência para o Enem 2009 – tem um atributo relevante: a unificação dos currículos. Recordemos que o SAT (Scholastic Assesment Test) – o vestibular norte-americano ao qual o novo Enem pretende se modelar – apresenta um currículo unificado. Isto posto, louva-se o MEC por apresentar um conteúdo programático para o novo Enem 2009, induzindo a sua adoção em todo o território nacional. Não de imediato, é evidente. Também louva-se o MEC, pois o programa apresentado é compatível com os bons livros didáticos, não havendo inovações estapafúrdias, tão recorrentes nos gabinetes e que prejudicam a sala de aula. Estamos caminhando na direção certa e é “caminhando que se constrói um novo caminho”.

No entanto, o conteúdo programático do Enem 2009 é excessivo e merece ser mais bem descrito e mais enxuto. No caso específico da Matemática, ficou genérico demais. A exemplo do SAT norte-americano, a grade curricular poderia ser reduzida em 20% a 30%, eliminando-se subitens de todos os capítulos da Álgebra, Geometria e Trigonometria. Assim, sugere-se para a edição do Enem 2010, que o MEC detalhe melhor o programa com subitens bem especificados e não tão abrangentes.

Amparamo-nos no capítulo de Funções (Álgebra) para melhor didatizar a nossa modesta explanação:
 

FUNÇÕES: Teoria, exercícios e aplicações práticas
 

(Podemos observar que abaixo foram citados dez itens de funções, tendo sido excluídos quatro e os outros seis foram bem descritos.)

1) Notação e definição de função.

2) Valor numérico. Representação no sistema cartesiano. Raízes de uma função. Domínio e imagem.

3) Função do 1.o grau. Definição. Representação gráfica. Crescimento e decrescimento. Estudo do sinal.

4) Função do 2.o grau. Definição. Representação gráfica. Vértice da parábola. Crescimento e decrescimento. Estudo do sinal.

5) Função modular. (Excluir do programa)

6) Inequações modulares. (Excluir do programa)

7) Funções pares e funções ímpares. (Excluir do programa)

8) Funções sobrejetoras, injetoras e bijetoras. (Excluir do programa)

9) Função inversa. Definição. Obtenção da inversa. Representação gráfica.

10) Função composta. Definição. Obtenção da função composta. Representação no diagrama de Venn e no sistema cartesiano.

O zelo no detalhamento mais primoroso dos conteúdos do programa do Ensino Médio evita que o professor ministre funções sobrejetoras, injetoras, bijetoras; pares e ímpares; funções e inequações modulares. São temas complexos, desmotivantes e que não servem de pré-requisitos aos cursos das áreas Biológicas e Humanas. Pode-se contra-argumentar: 

– Ah!, mas interessa às Exatas!

Sim, para isso há a matéria de Cálculo Diferencial e Integral.

Ademais, não encontramos argumentos que justifiquem a exclusão de Matrizes e Determinantes no programa apresentado pelo Enem 2009. São capítulos da Matemática que apresentam relevante importância para boa parte dos cursos universitários.

Amiúde, debatemos com os professores das diversas disciplinas, os quais são unânimes em afirmar que há sobrecarga de conteúdos. É a hora e a vez de um bom discernimento para enxugar o programa do Ensino Médio. Destarte, alargaremos os horizontes e estaremos dando um primeiro passo em direção aos países com boa estrutura educacional.

Mas que não pairem dúvidas quanto à obrigação primeira da escola: ministrar um bom ensino curricular, preparando o aluno para os concursos e a vida profissional. Reduzir o programa em 20% a 30% não implica em abaixamento no nível de aprendizagem, pois constituem penduricalhos desnecessários.

Uma vez implementada a redução e um melhor detalhamento dos conteúdos há espaço e tempo para o início de um ciclo virtuoso: ofertar aos alunos ensinamentos mais atraentes e edificantes. Exemplos? Oficinas (parte delas optativas) de Artes, Filosofia, Sociologia, leituras, meio ambiente, valores, cidadania, etc. A atual geração dos jovens valoriza o lúdico, a multimídia, as práticas experimentais, a vivência dos fenômenos naturais e humanos, o diálogo entre as diversas disciplinas.

Essa parece ser uma tendência universal, conforme constataram diretores que participaram, em anos consecutivos, de um programa de imersão em mais de uma centena de escolas na Itália, Finlândia, França, Alemanha, Chile, Canadá, EUA, Noruega, Espanha, Portugal, Inglaterra, Irlanda, Austrália, Nova Zelândia. Após essas visitas, ou fruto das nossas leituras ou vivências, é razoável afirmar-se: por decorrência dos vestibulares, o nosso Ensino Médio necessita de uma assepsia, cujos vermes são os excessos da grade curricular.

Essa posição pode ser corroborada com o relato da revista Veja: O prêmio Nobel de Física, Richard Feyman (1918-1988), visitou o Brasil para investigar o nível de conhecimento dos alunos às vésperas do vestibular. Em livro, Feyman relatou que entre estudantes do mundo inteiro, os brasileiros eram os que mais estudavam Física no Ensino Médio – e os que menos aprendiam a matéria.

Se o Enem 2010 apresentar-se com um programa mais detalhado, enxuto e bem descrito em seus subitens, o efeito é imediato, pois induz mudanças em todo o Ensino Médio. Enfatizemos que esse é o primeiro passo. É o “Vo” e “uma condição necessária mas não suficiente” – usando jargões das Ciências Exatas. E antes de tudo, possui o mérito de ser facilmente exequível. E assim estaremos mais próximos das palavras simples e plenamente inteligíveis do epistemologista suíço Jean Piaget: “Só se aprende o que tem sentido, o que é prazeroso”.

Louvável é o propósito do MEC de superar a fragmentação do conhecimento com a organização dos conteúdos em quatro eixos: trabalho, ciência, tecnologia e cultura. No entanto, é uma tarefa hercúlea, pois há necessidade de vultosos investimentos na capacitação dos professores e a sua implantação requer anos.

Em julho de 2009, o jornal Gazeta do Povo publicou três matérias e uma delas, sob o título A tragédia da juventude brasileira, destaca que os números são estarrecedores: a cada 1 000 adolescentes no país, dois são assassinados, e Foz do Iguaçu detém o índice mais elevado com 9,7. Faz sentido, pois 43% dos jovens de 15 a 17 anos abandonaram a escola naquela cidade paranaense. No Brasil, a cada ano, 1,9 milhão de jovens desiste do Ensino Médio e o principal motivo da evasão é que a “escola é chata”.

Se as estatísticas são angustiantes, mais angustiante é a passividade das nossas autoridades e da própria sociedade frente à nossa realidade educacional. À falta de responsabilidade as consequências se fazem presentes, conforme as palavras do escritor alagoano Graciliano Ramos (1892-1953): “É fácil livrar-se das responsabilidades; difícil é escapar das consequências por ter se livrado delas.” 

Jacir J. Venturi Diretor de escola e foi professor do Ensino Fundamental e Médio, de pré-vestibulares e da UFPR e PUCPR.

Jacir Venturi
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