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O SABOR DO SABER

A era do conhecimento – que hoje vivenciamos – tem fulcro em dois marcos históricos: a Biblioteca de Alexandria e a imprensa de Gutenberg.

A Biblioteca de Alexandria estava muito próxima do que se entende hoje por universidade e reinou quase absoluta como centro da cultura mundial no período do séc. III a. C. ao séc. IV d. C.. Continha praticamente todo o saber da Antiguidade, em cerca de 700 mil rolos de papiros e pergaminhos. Seu lema era “adquirir um exemplar de cada manuscrito existente na face da Terra”. No entanto, o manuseio de seus conteúdos era restrito aos mais conspícuos sábios, poetas e matemáticos. Sua destruição talvez tenha representado o maior crime contra a ciência e a cultura em toda a história da humanidade.

Até meados do séc. XV, a reprodução do conhecimento se fazia essencialmente por meio dos monges copistas, pontuados em algumas dezenas de mosteiros e universidades.

Em 1455, o ourives alemão Johann Gutenberg inventou a tipografia. Com a imprensa, o mundo sofreu uma vigorosa transformação que, de pronto, influiu extraordinariamente sobre o Renascimento. Tamanho foi o alcance e a influência do engenho de Gutenberg, que foi considerado a maior revolução tecnológica do milênio, pois propiciou a democratização do conhecimento, com impressão em escala de livros e jornais.

A Europa de então possuía cerca de 50 milhões de habitantes. Somente 15% sabiam ler, pois raramente conseguiam livros. O evento de Gutenberg se propagou de modo espantoso e fez dobrar em poucos anos o número de europeus alfabetizados. Em 1500, já circulava naquele continente meio milhão de livros.

Se vivemos hoje a era do conhecimento, é porque a alçamos sobre ombros de gigantes do passado, reiterando a afirmação de Isaac Newton. A cada geração, novos andares foram construídos sobre a antiga estrutura.

Com a internet, em nenhum momento da história, o acesso ao saber e à pesquisa foi tão democrático. Em poucos minutos boa parte da população mundial tem ao alcance um teclado e só o Google hospeda 1,5 trilhão de páginas de informações.

Hoje a web e outras multimídias tornam disponíveis conteúdos técnicos e pedagógicos precisos, com visual atraente, em movimento e até em 3D. Em contrapartida, metade de seus bites é desnecessário ou até pernicioso. Fui estudante de 1º e 2º graus nos anos 60 e não havia tantas futilidades na comunicação escrita. Até porque todo o impresso era dispendioso. No entanto, os livros eram monocromáticos, sisudos, contidos nas ilustrações e pródigos nos textos densos.

Uma mesa e uma cadeira num ambiente silente são condições clássicas para uma efetiva assimilação dos estudos. Ou como verbalizava um provecto professor de Matemática, com graça e forte sotaque alemão: “o aprender entra “pelo bunda” e caminha para o cérebro.”

Se temos hoje uma profusão de recursos tecnológicos, com ludicidade e didática, uma coisa não mudou: o aprendizado consistente e duradouro se faz com disciplina pessoal, esforço e solidão. 

Para atingir os píncaros do saber, busquemos a analogia portuguesa do Cabo do Bojador, aquele lugar difícil de ser alcançado. Conforme ilustram os versos de Fernando Pessoa, “quem quer passar além do Bojador, tem que passar além da dor”. Mas tem enlevo. Tem conquista. E a dor se transforma em doce sabor. Sabor do saber.

Jacir J. Venturi, diretor de escola e professor. Autor dos livros: Da Sabedoria Clássica à Popular; Cônicas e Quádricas; Geometria Analítica.

Jacir Venturi
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